África tem sido desenhada e pintada com a réguas e cores das grandes potências ocidentais. E muito disso acontece sob o olhar impávido e indiferente de estadistas africanos serviçais dos interesses dos seus mestres, imperadores liberais e espoliadores neo-coloniais.
O grito veemente de Kwame Krumah “Africa must unite” em Dezembro de 1959, permanece actual e apresenta-se como uma chave de ouro que pode abrir o Continente para novos horizontes de realização tanto da personalidade África (Julius Nyerere) quanto da dignidade humana dos Africanos e da soberania chamuscada dos Estados Africanos. Como?
O primeiro passo seria sacudir todos os bloqueios exógenos que têm impossibilitado que o grito de Nkrumah seja nitidamente audível nos ouvidos e na consciência dos Africanos.
Este passo tem sido dado pelo Presidente e
Colonel Assimi GOITA do Mali, quando a 16 de Setembro de 2023, anunciou a partir da sua página do X, antigamente, Twitter: “J’ai signé ce jour avec les Chefs d’Etat du Burkina Faso et du Niger la Charte du Liptako-Gourma instituant l’Alliance des États du Sahel (AES) ayant pour objectif d’établir une architecture de défense collective et d’assistance mutuelle au bénéfice de nos populations.”
Isto é, dito numa tradução literal: “Assinei, hoje, juntamente, com os Chefes de Estado de Burkina Faso e Niger a Carta de Liptako-Gourma que institui a Aliança dos Estados de Sahel (AES), cujo objetivo é criar uma arquitetura de defesa colectiva e de assistência mútua para o benefício das nossas populações”.
Vale lembrar que o Mali, Burkina Faso e Niger foram, desde 2020, o palco de ressurgência de cerca de cinco (5) golpes de estados levados a cabo por altas patentes do exército destes três países pertencentes à Sul do Deserto do Sahara e até então membros do bloco ECOWAS, ou seja, a Comunidade Econômico dos Estados da África Ocidental. ECOWAS existe desde 28 de Maio de 1975, constituída até 2020s por 15 Estados Membros, sendo o principal propósito “promover a cooperação econômica entre Estados Membros, com vista a melhoria das condições de vida e da promoção do desenvolvimento econômico”.
A expulsão de Burkina Faso, Mali e Niger, reduziu o Bloco em 12 Estados Membros. O que cria uma realidade de antagonismo regional de grande significado e importância para o Continente entre a emergente AES e ECOWAS. Um aspecto importante de realce na Carta de Liptako-Gourma é a ideia da “arquitetura de defesa colectiva”. Basicamente, esta ideia projecta uma realidade originária de protecção mútua das partes e dos seus interesses face a ameaças híbridas regionais, como por exemplo, a ameaça de uma eventual intervenção militar capitaneada pela Nigéria e Gana, dois Colossus da ECOWAS. De facto, estas ameaças não passaram disso mesmo. Talvez porque os Estados membros da ECOWAS vissem que uma possível intervenção militar contra os estados da AES pudesse tornar a região num palco de guerras intermináveis por encomenda – as ditas “proxy wars” – com o envolvimento das forças mercenárias da Wagner. E aí onde estiver o dedo da Wagner estaria também a mão Vladimir Putin que está neste momento torcer os músculos da NATO com ciclo de violência e carnificina na guerra RÚSSIA-UCRÂNIA.
De facto, não seria exagero deduzir que o músculo da própria arquitectura de defesa colectiva da AES é o próprio músculo de Putin.
Em pouco menos de um (1) ano a Carta de Liptako-Gourma evoluiu para a Primeira Cimeira dos três (3) Chefes de Estado Ibrahim Traoré (Burkina Faso), Assimi Goïta (Mali) e Abdourahamane Tchiani (Niger), realizada nos dias 6 e 7 de Julho de 2024. Desta Cimeira da AES destaca-se a intervenção final do Presidente do Burkina Faso: “Imperialista veem África como um terra de escravos. Eles creem que África é sua pertença, que as nossas terras lhes pertencem, que os nossos subsolos também lhes pertencem. O Urânio do Niger ilumina as ruas da Europa, mas suas ruas se mantêm na escuridão. Isto deve mudar!”
O interessante do discurso do Presidente Traoré é o contraste entre a “luz” e a “escuridão”. Que a Igualdade, Fraternidade e Liberdade que permeiam as conquistas da Revolução Francesa tem sido a realização sob os escombros dum Continente ainda visto pelo Ocidente como o “Coração das Trevas” (Joseph Conrad, 1899). O iluminismo do Ocidente, quererá dizer Traoré, tem um preço muito pesado para África: ESCURIDÃO!
Em Janeiro deste ano, os Líderes da AES declaram que não voltariam a ser membros da ECOWAS, porque na sua visão “ECOWAS está sob a influência de poderes externos e está em contra-mão com seus princípios fundantes ao ponto de se tornar em ameaça contra os Estados Membros e seus Povos”.
Sem especificar a fonte de tais ameaças, o que é um factual é o antagonismo que emerge entre AES (Rússia) e ECOWAS (NATO). Como vencer este antagonismo? Talvez se ultrapasse este antagonismo pela realização da Visão Originária do Pan-africanista Maior: A UNIÃO DE ÁFRICA!
Paulo Faria
10.07.2024