Muitos Angolanos teriam sido apanhados de surpresa pela denúncia pública feita pelo Ministro de Estado e Chefe da Casa Militar do Presidente da República (MECCM-PR) que “Há governantes e altas patentes das FAA e da Polícia Nacional envolvidos no contrabando de combustíveis.”
Para efeitos de clarificação e sustentação da opinião pública é importante dar um breve enquadramento legal que informa as funções do MECCM-PR. O Decreto Presidencial n.º 294/21 – Estatuto Orgânico da Casa Militar do Presidente da República (CM-PR) – oferece-nos todo o suporte procedimental deste órgäo:
Art. 1º (Definição)
Aduz nos nn. 1–2 que “A Casa Militar do Presidente da República é um Órgão Auxiliar do Presidente da República que tem por missão prestar assistência, assessoria e apoio técnico directo e imediato ao Presidente da República no desempenho das suas funções, especialmente em assuntos de segurança nacional, e na garantia da segurança e defesa presidencial.” Além disso, a CM-PR “tem natureza de Departamento Ministerial e é dirigida pelo Ministro de Estado e Chefe da Casa Militar do Presidente da República.”
Daqui decorre que o General Francisco Furtado tem a categoria de ministro e actua por inerência de funções como auxiliar do Titular do Poder Executivo, Presidente João Lourenço. Neste caso, auxilia o Presidente Joäo Lourenço de que forma?
O estatuto orgânico prescreve um total de 14 atribuiçöes que se expandem das alíneas a – n, sendo o foco para efeitos de enquadramento das denúncias do Ministro Furtado deve incidir nas alíneas subsequentes, uma vez que as outras referem-se à protecçäo do Presidente da República (PR), Vice-Presidente da República (VPR) e entes afectos ao seu núcleo familiar.
Art. 2.º (Atribuições)
“A Casa Militar do Presidente da República tem as atribuições seguintes:
a) – Auxiliar o Presidente da República na formulação, direcção e controlo da execução da política e da estratégia de segurança nacional;
b) – Prestar assistência, assessoria e apoio técnico ao Presidente da República em matéria de defesa nacional, de protecção interior, preservação da segurança do Estado e de preservação complementar da segurança nacional;
c) – Assegurar a ligação, articulação e coordenação institucional com os Órgãos do Sistema de Segurança Nacional, bem como os órgãos e instituições com responsabilidade na execução da política e estratégia de segurança nacional.”
Deste conjunto de atribuições, não existe nada que possa sugerir que a CM-PR tenha poderes de combater o contrabando de combustíveis. A acçäo deste órgäo é estrutural e funcionalmente subsidiário ao PR, cuja “competência em matéria de segurança nacional” (Art. 123º da CRA) consiste dentre muitas
a) Definir a política de segurança nacional e dirigir a sua execuçäo;
b) Determinar, orientar e decidir sobre a estratégia de actuaçäo da segurança nacional;
c) Aprovar o planejamento operacional do sistema de segurança nacional e decidir sobre a estratégia de emprego e de utilização das Forças Armadas Angolanas, da Polícia Nacional e demais organismos de protecção interior e dos órgãos de inteligência e de segurança do Estado.”
No essencial, se o contrabando de combustíveis salta fora do controle operacional dos órgãos que compõem o próprio sistema de segurança nacional, ao MECCM-PR General Furtado não resta outra saída senão denunciar. Mas denunciar-se A QUEM? PARA QUÊ? PARA QUEM? Denunciar-se, possivelmente, ao próprio “chefe”, para que o “chefe” faça algo dentro das suas competências. Outrossim, a denúncia do Ministro Francisco Furtado é uma denúncia para os Angolanos, de como o Estado de Todos Nós – Angola – foi convertida num autenticamente estado falhado, onde os vetores híbridos de insegurança cavalgam de Cabinda ao Cunene sem que houvesse nem estratégia de actuaçäo nem planeamento operacional do Presidente da República que se dignasse pôr fim às múltiplas ameaças e acçöes negativas perpetradas pelos baröes e baronesas do contrabando dos combustíveis. A denúncia do MECCM-PR pode ser interpretada como uma rendição e renúncia causada pelo próprio estado de extrema banalidade e vulnerabilidade a que foi lançado a Nossa Angola – o Estado de Todos Nós! Uma renúncia vinda dum auxiliar cimeiro do PR em matéria de “formulação, direcção e controlo da execução da política e da estratégia de segurança nacional” pode ser compreendido como um convite elegante lançado ao PR, para que renuncie à presidência, com vista a evitar-se a destruiçäo total do pouco e do mínimo que ainda resta da República de Angola.
Finalmente, em Janeiro deste ano, o Ministro do Interior, General Eugénio Laborinho ao responder ao nosso questionamento sobre “crimes econômicos como o tráfico dos combustíveis”, durante as discussöes na especialidade do OGE 2024 com os Órgäos de Segurança e Defesa na Assembleia Nacional, disse algo deveria lançado alerta máxima na Casa Militar do PR:
[…] “Todos sabem que as fronteiras do Norte, Nordeste e Leste em relação ao RDC é muito difícil, há anos que nós estamos a combater isso. Já não posso falar da vulnerabilidade nem do risco, é só dizer que é uma fronteira extremamente complicada! E temos de ter também o máximo de relações com país vizinho…vou dar um exemplo: nós temos um milhão e qualquer coisa mais em relação aos habitantes, a densidade populacional da Lunda Norte…Só a província do Kassai, Kassai, tem 32 milhões. E se houver uma instabilidade política naquela região, vocês já imaginaram os 32 milhões a envolver-se na Lunda Norte? Tomam a Lunda Norte, tomam a Lunda Sul, e tomam tudo. E nós não podemos nem matá-los nem mandá-los voltar para atrás. Esta explicação é única verus os 6 mil dos 12 mil que tínhamos até o ano passado já foram encaminhados para o Zaire…para Zaire não…para RDC. Hoje temos 6 mil que se negam a voltar! Tendo em conta os problemas tribais que ainda o Congo Democrático vai vivendo. O problema do contrabando de combustível é um problema de todos nós! Porque, todos os dias nós prendemos combustível…Todos dias…sobretudo em Cabinda, no Zaire, no Uíge e na Lunda Norte. E, ultimamente, já está a acontecer também na regiäo Sul do País, na província do Cunene, na província do Kuando Kubango e na província do Moxico, sobretudo no Luau, um pouco no Posto Fronteiriço do Kalipangue no Alto Zambeze. Este problema é um problema terrível que já vem há anos e anos sempre a combatermos e tem estado a melhorar. Temos estados a deter quer os elementos, quer o combustível e não fica a guarda da polícia. Fica a guarda do Ministério Público. Ficam tambores e cisternas, que depois aquilo fica deteriorado…já não tem importância para nada!”
Deixemos que cada um tire as suas próprias conclusões à resposta dada pelo Ministro Laborinho aos Deputados e Deputadas. De qualquer modo, o Ministro do Interior alegava que o combustível apreendido tem sido entregue ao Ministério Público, que grandes quantidades de combustíveis tem sido deixado a deteriorar-se sem que houvesse nem aproveitamento e muito menos responsabilizaçäo tamanhos actos de desperdício de recursos de todos nós.
Se da PGR vem ao domínio público a notícia sobre a criaçäo duma Comissäo Multisectorial para investigar denúncias atinentes ao contrabando de combustível, no mínimo esta iniciativa de INVESTIGAR da parte da PGR, parece minimizar a acçäo contundente de COMBATER. Porque a denúncia do MECCM-PR implica entidades ligadas ao aparato de segurança de Angola. Para tal, este combate deveria visar estas pessoas, mesmo que para o efeito o PR decida empregar e utilizar as Forças Armadas Angolanas, da Polícia Nacional e demais organismos de protecçäo interior e dos órgäos de inteligência e de segurança do Estado, para à realizaçäo dos objectivos e propósitos do combate contra o tráfico dos combustíveis.
Finalmente, que grande e notável serviço de utilidade pública prestarão os órgäos de comunicaçäo Social – TPA e RNA – se convidassem tanto o Ministro de Estado e Chefe da Militar do Presidente da República, o Ministro do Interior e o Procurador Geral da República para uma Grande Entrevista!
SERVINDO A CIDADANIA ACTIVA!
TUA VOZ! TEU VOTO!
Dep. Paulo Faria.
14.09.2024